Peregrinus
A nossa vida nesta terra é uma viagem. Incolla ego sum in terra (Salmo 119, 19). O homem é um estrangeiro nesta terra. É um peregrino que está a caminho do céu. Não sabemos se a viajem será breve ou longa. Breve ou longa, a certeza que devemos considerar é que a nossa vida é uma viajem, e que vamos em caminho para Deus.
A nossa
pátria é o paraíso, não estamos feitos para as coisas deste mundo. Nós todos
estamos em caminho para o paraíso, o paraíso nos atrai. Mas nesta terra onde
somos peregrino, sentimos uma sede profunda, uma sede grande no nosso coração
que somente Deus pode encher. O nosso coração está aberto ao infinito, e
somente o infinito pode encher o coração.
Enquanto
dura a nossa peregrinação à Jerusalém celeste, é a Eucaristia, o banquete
celestial que nos dá sustento, forças para o caminho e o repouso. Sempre que
nos aproximamos da Sagrada Eucaristia, seja quando recebemos a Jesus na Santa
Comunhão, seja quando simplesmente vamos visitar ao Senhor, fica dentro do
nosso mais íntimo este desejo de mais, a nostalgia profunda do nosso coração, a
sede da Jerusalém celeste. Vamos em caminho.
«Qual foi a
razão pela qual colocaste o homem em tão alta dignidade? Certamente o amor
inestimável com o qual tu olhaste em ti mesmo a tua criatura e te enamoraste
dela; por amor, decerto tu a criastes, por amor tu a destes um ser capaz de
gostar do teu bem eterno»[1].
Do seio da
Santíssima Trindade vem o homem. E por isso está em caminho. Feito à imagem e
semelhança de Deus, o homem é um mistério para si mesmo. Peregrino nesse mundo,
não sabe onde repousar a cabeça, mas ao longo do caminho, descobre que enquanto
dure a sua peregrinação sim poderá repousar: em Deus somente, que é o único
capaz de encher o coração do homem peregrino, em caminho ao horizonte dessa
vida, a eternidade.
È no Coração
de Jesus que o peregrino encontra este repouso, e no olhar Eucarístico que o
mistério se revela: ele é um peregrino, um ser em caminho à pátria do céu. O
olhar diz tudo, nas coisas deste mudo o peregrino não repousará, não encontrará
o seu conforto, o coração ficará com sede. Mas em Deus, no silêncio do
Tabernáculo, ali o peregrino exultará.
O homem
nasce do seio da Santíssima Trindade: «estamos feitos à imagem de Deus, que é
amor, e estamos chamados a imitar o seu amor»[2].
A Trindade que é amor convida o homem, enquanto está em caminho neste mundo a
imitar esta característica fundamental da mesma Trindade: o amor. Sem este amor
o homem não pode compreender-se e não pode compreender de igual maneira a
Trindade que do nada o criou.
Cada homem é
único nesta terra. O homem é ao mesmo tempo mistério e maravilha. Mistério
porque ninguém o conhece como ele em realidade é, mas somente Deus que não vê
somente o seu exterior, o aspecto físico do homem, mas também vê o seu
interior, o lugar sagrado onde o homem está consigo mesmo e com Deus e onde
ninguém mais que Deus e ele mesmo pode entrar. Aquele lugar sagrado, que a
Bíblia chama Templo do Espírito Santo, é onde Deus habita no mais íntimo do
homem. Ali, neste lugar, ninguém mais pode entrar, somente Deus e o homem
mesmo.
Mas o homem
é também uma maravilha, porque foi criado de Deus e está no centro de toda a
criação: Deus o abençoou e disse a eles: «sejais fecundos e multiplicai-vos,
enchei a terra; subordinai-a e dominai sobre os peixes dos mares e sobre as
aves do céu, sobre todo ser vivo que se rasteja sobre a terra». (Gn, 1, 28). Com
essas palavras, Deus coloca o homem no centro de toda a criação.
O homem é o
único ser que olha as coisas e se maravilha disso. Ele somente é capaz de
surpreender-se, de admirar-se. O homem é
um ser que olha as coisas e diz que tem algo mais além, alguma coisa que não é
deste mundo. E o homem é também capaz de Deus, é Deus que o permite de ver nas
criaturas as suas pegadas, os seus traços.
O homem não
poderia reconhecer os sinais de Deus nas criaturas se não fosse ele mesmo
imagem de Deus. O homem é capax Dei, capaz
de conhecer a Deus e de amá-lo, porque é Deus que fez o homem capaz de
conhecê-lo e de amá-lo[3].
Neste
mistério e nesta maravilha, o homem se descobre peregrino. Ele entende que está
de passagem nesta terra, que o fim da sua vida chegará. «A vida é uma
peregrinação. Estamos em marcha, e antes ou depois alcançaremos a nossa
destinação»[4].
Essa é a realidade do homem, um ser em caminho neste mundo. Agora o homem
caminha, mas chegará o tempo do repouso. Agora o homem é peregrino, mas chegará
o momento que será cidadão da sua pátria. Se nós nos perguntássemos como
podemos ter certeza neste mundo que estamos de caminho? A resposta é simples:
tudo neste mundo passa. A morte è certa para todos os homens, os seres vivos
debaixo do sol. A morte chegará também para os homens, como bem nos diz a
Imitação de Cristo:
«Bem cedo a morte estará aqui, junto de ti. Considera, pois, a tua
condição: o homem hoje existe e amanhã desaparece; e quando vem tirado da
vista, rapidamente sai também da memória. Se alguma vez vistes alguém morrer,
pensa que também tu deverás passar pela mesma estrada»[5].
A Morte é a
única certeza dessa vida. O homem morrerá. Mas o que é a morte? Não é outra
coisa que o fim da peregrinação. É a porta que nos levará à pátria, à nossa
pátria. O homem vem de Deus e a Deus retornará: é o que São Tomás de Aquino já
bem dizia: exitus – reditus. O homem
sai do seio da Santíssima Trindade, e depois da sua peregrinação nesta terra a
Deus retorna.
E neste
caminho de regresso, o homem sente a sede produnda de Deus: “Fecisti nos ad te et inquietum est cor
nostrum donec requiescat in te”[6],
é esta sede profunda do coração que também diz ao homem que esta não é a sua
pátria, que aqui está somente em caminho. O coração não se saciará mais aqui.
Mas chegará o momento no qual o peregrino já não o será, e sim será filho no
Filho. Neste dia já não será um ser em caminho, e ali, em Deus repousará. Saído
de Deus, o homem retornará a Deus. A sede ficará, enquanto não chegue à sua
pátria. Lá, na Jerusalém celeste o coração se saciará. E já não haverá
necessidade de mendigar. Deus será tudo para o peregrino. O coração estará
saciado.
Peregrino é
o homem nessa terra. Nós somos todos peregrinos, e não há nenhum homem que
possa dizer que este mundo é a sua pátria, porque a terra onde nós habitamos é
uma terra estrangeira para todos nós. «Eu somente sei que sou um peregrino»[7],
dizia já José Luis Martín Descalzo. O peregrino é o homem em caminho por este
mundo. Mundo que ele bem sabe não é a sua pátria. Aqui, o homem não é mais que
um estrangeiro em terra estrangeira.
«Um peregrino
sabe, aonde ele vai, ele confia totalmente em Deus, e por isso toma sobre si
todos os riscos da viajem»[8].
Quando falamos de peregrinos no sentido de visitar os lugares sagrados e
importantes da fé, sabemos que tantas pessoas arriscam a própria vida para
poder fazer essas peregrinações. Na narrativa dos peregrinos, encontramos
histórias de tantos que acabaram encontrando a morte depois de percorrer as
vias de Santiago de Compostela na Espanha, para dar um exemplo somente.
Mas os
peregrinos caminham com uma meta: querem andar a este lugar sagrado para pedir
a Deus milagres e confiam que o Senhor levará a bom fim esta obra que
iniciaram. Os riscos, as dificuldades, as lutas que devem suportar, tudo fazem
com grande ilusão, oferecendo os sacrifícios do caminho para que Deus possa
escutar as ardentes orações que eles dirigem por si mesmos ou pessoas a quem
querem muito.
O peregrino
é aquele que conhece bem a meta que quer alcançar e caminha pela estrada que
conduz a esta meta. O contrário da peregrinação é o vagabundear. O peregrino
não é um vagabundo, que simplesmente caminha, mas sem meta, sem objetivos e que
vive como se não fosse morrer jamais… ele sabe aonde vai, e sabe também o que
busca. A viajem nesta terra é sem retorno. O homem está de caminho. Não é fácil
ser peregrino: «peregrino, quem és, aonde vais, o que buscas? Que perguntas! Se
eu soubesse como responder a estas três perguntas, a minha vida seria resolvida
e acabada»[9].
O que
buscas, peregrino? Aonde vais, peregrino? Quem és, peregrino? As três perguntas
propostas procuraremos responder ao largo dessas páginas que seguirão. Agora
guardemos somente no nosso coração, como fazia Maria estas poucas ideias: o
homem é um ser em caminho, nesta terra peregrino e caminha à pátria, já não
estrangeira, mas da qual veio: o céu, o seio da Santíssima Trindade.
A Eucaristia, fonte de vida nesta peregrinação
O homem é um
ser em caminho. Um peregrino em terra estrangeira. O seu coração não encontra o
repouso nas coisas deste mundo. O caminho nos cansa facilmente e se não temos
um lugar onde repousar, um lugar onde possamos refugiar-nos, não teremos jamais
forças para prosseguir a nossa caminhada.
O homem é
composto de alma e de corpo. A sua alma espiritual e imortal é orientada a Deus
e é capaz, com a ajuda da graça, de conhecê-lo, amá-lo e unir-se a Ele. O seu
corpo vem da terra e está faminto de mundo. Quando a fome de mundo, sob o
impulso das paixões, toma conta, sufoca a fome de Deus sob as cinzas do
efêmero. Como o homem pode satisfazer sua fome pelo absoluto quando desperta e
se dá conta da decepção? O próprio Deus provê para alimentar e saciar sua sede
com um alimento e uma bebida que o mundo não conhece.[10].
O coração do
homem é aberto ao infinito e necessita de algo que o nutra. O homem, composto
de corpo e alma sente a necessidade de nutrir o corpo, mas também a alma. Se
não estamos atentos ao nosso interior, as coisas do mundo pouco a pouco
procurarão encher o nosso coração. Mas as coisas de aqui abaixo não poderão
saciar jamais a nossa sede de eternidade, de Deus, de vida eterna.
Sabendo Deus
que teríamos necessidade de um alimento que perdurasse e nos nutrisse no nosso
peregrinar por este mundo, nos deixou a Eucaristia como alimento. A Eucaristia
não é somente um pãozinho que comemos para ter assim forças físicas. Mas é o
Pão que nos dá a vida, que nos nutre, que enche o nosso coração. A sede de Deus
pode ser grande, mas se nos aproximamos ao Altar com humildade, encheremos o
nosso coração com o eterno.
[1] Santa Caterina da Siena, Il Dialogo
della Divina Provvidenza, 13.
[2] A. Vogelsang, Eintauchen in
die Dreifaltigkeit Gottes, Catholic Media, Köln-Deutz, 2012, p. 15.
[3]
Cf. Y.
de Andía, Homo Viator. Antropología del camino espiritual, BAC,
Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 2017, 37.
[4]
Cf. B.
Hume, To be a Pilgrim, a spiritual notebook, SPCK Classics,
London, 2009, 25.
[5] Cf. T. de
Kempis, L’Imitazione di Cristo, Progetto Editoriale Mariano,
Vigodarzere, 2000, 39-40.
[6] Sant’Agostino, Confessioni,
antologia essenziale, Giunti Editori, Firenze, 2006, p. 15.
[7]
Cf. J.
L. Martín Descalzo, El Peregrino, Ediciones sígueme, Salamanca,
2001, 13.
[8] Cf. C. M.
Martini, Der Pilger weiß, wohin er geht. Unterwegs mit Josef aus
Ägypten und Ignatius von Loyola, Herder, Freiburg – Basel – Wien, 1993,
11.
[9]
Cf. J.
L. Martín Descalzo, El Peregrino, Ediciones sígueme, Salamanca,
2001, 13.
[10] Cf. L.
Fanzaga, La fame di Dio, Meditazioni sull’Eucaristia, Sugarco
Edizioni, Milano, 2011, 9.
[11] Cf. A.
Figliuzzi, L’Eucaristia, mistero che illumina il cammino dell’uomo
pellegrino, Grafiche Amantea, 2005, 13.
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